quando Mihai Rlabescu
chegou nesta cidade
todos bolsos de sua roupa
estavam costurados
à mando de seu pai
para quem sair de casa era permitido
desde que de lá nada levasse
se conhecesse bem seu filho
desconfiaria
se conhecesse Mihail acharia
estranho não ouvir resposta alguma

(embora os olhos rastejantes como
faísca em madeira seca)

esta condição o acompanhou
até chegar a américa do sul
nem para o medo do mar
não disse nada a não ser
uma vez ou outra na hora
das refeições

onde era obrigado a abrir a boca
de onde retirava o relógio de pulso puro ouro
enquanto ria de seu pequeno
golpe contra o patriarca

apenas na saída do objeto
era possível ouvir sua voz
embora para a língua, o salame e o pão

ainda estivesse lá
o péssimo gosto do metal
ruim todavia precioso.
ap. 101
uma vez tudo que meu avô Mihail
tinha na vida
era um relógio
guardado junto a língua

e mesmo assim ficou rico
e mesmo assim ergueu prédios
mudou esta cidade

lembro quando era criança
sempre confundia laranja com
mexirica e nunca acertava os ingredientes da sopa

minha mãe dizia que era de família
não sentir o paladar
era culpa de meu avô
era culpa do tempo
do metal tic era herança
genética tac

ap.102
o nome do nosso prédio
é na verdade o nome de um país

uma país novo, um país velho

que um dia foi um grande reino

da minha janela tudo que tenho
é o que não vejo

Seu Luís que não chega da oficina
Dona Irene que não vende mais o doce de coco
a voz de Matilda gritada só em
sonho alfabetizando o trincar
das copos

da minha janela tudo que sei
é o que tenho em frente

esta cratera onde o lixo é jogado
para espantar os mortos
o cheiro

uma tentativa rala de justificar as moscas, os mosquitos que no feiche da noite
sugam nosso sangue

responsáveis por uma estranha polenização, a nos unir em suas
barrigas

me pergunto
quando soluço escondida

se este reino ainda existisse qual seria
seu odor

como seria o ar ainda que preso deste reino

se o bolo de coco teria outro gosto
por causa disto

se sua receita ainda existiria
ap.102
ELEVADOR